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07/07/2025

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Projeto de lei cria risco risco à proteção de dados e à democracia



Opinião

creativeart/freepik

No último dia 28 de maio, a Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados aprovou parecer que alterou significativamente o Projeto de Lei nº 12/2015 e seus apensos (PLs nº 4.612/2019 e 4.901/2019). O texto não apenas regulamenta o uso de sistemas de verificação biométrica, como também inclui um substitutivo que isenta partidos políticos e instituições religiosas das obrigações da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Trata-se de uma mudança que pode ser classificada como um típico “jabuti legislativo” por inserir tema estranho ao objeto inicial, desviando o foco da proposta e gerando sérias preocupações quanto à proteção de dados, aos direitos fundamentais e à própria democracia.

Chama atenção, desde logo, a tentativa de equiparar instituições de natureza tão distinta — partidos, Estado e religião — no mesmo regime de exceção. Ainda que esse debate seja relevante, este artigo se concentra, exclusivamente, nos riscos associados à isenção dos partidos políticos.

O principal argumento do substitutivo para afastar os partidos da LGPD é de ordem econômica: por serem organizações sem fins lucrativos, mantidas por contribuições, teriam limitações financeiras para investir em segurança da informação. Segundo o relator, exigir o cumprimento da LGPD forçaria os partidos a desviar recursos de sua atividade-fim — a representação política — para custos de conformidade.

Contudo, proteger a privacidade como condição prévia e essencial para a promoção da democracia e da liberdade implica, necessariamente, assegurar a efetividade do direito fundamental à proteção de dados pessoais, inclusive no ambiente eleitoral (Ferreira, 2025). Ignorar esse pressuposto significa, na prática, abrir caminho para a erosão de outros direitos fundamentais, como a liberdade de associação, a liberdade religiosa e, sobretudo, a própria integridade do processo democrático.

Proteção de dados é direito fundamental

Desde 2020, o Supremo Tribunal Federal reconheceu expressamente a proteção de dados pessoais como um direito fundamental autônomo, distinto do direito à privacidade, nos julgamentos das ADIs nºs 6.387, 6.388, 6.389, 6.390 e 6.393. Esse reconhecimento consolida, no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da autodeterminação informativa como pilar indispensável da cidadania na era digital (Ferreira, 2020).

E partindo desses pressupostos que, registrando o devido respeito à proposta, a iniciativa suscita, ao menos, cinco pontos de profunda preocupação:

  1. conflita fortemente com o regime legal e constitucional de proteção de dados e amplia os riscos à proteção de dados sensíveis, como informações sobre filiação e opinião política;
  2. contraria os próprios direitos que busca proteger, como a representação política;
  3. não menciona dados ou exemplos concretos que justifiquem a dificuldade de cumprimento da LGPD pelos partidos;
  4. não menciona a ocorrência de consultas públicas ou diálogo com órgãos especializados, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE); e
  5. ignora que a LGPD e normas da ANPD e do TSE já preveem mecanismos adequados de flexibilização, tornando a proposta desnecessária e desproporcional.

Exemplo emblemático disso está no artigo 4º, III, da LGPD, que afasta sua aplicação para atividades relacionadas à segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado e investigação e repressão de infrações penais. Nem por isso, essas atividades ficam completamente isentas de deveres de proteção de dados. O próprio §3º do artigo 4º prevê que, nesses casos, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) pode emitir pareceres técnicos, recomendações e, inclusive, exigir dos responsáveis a elaboração de Relatórios de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD). Como bem sintetizam Frazão, Carvalho e Milanez (2022, p. 37-38), não se trata de hipóteses de ausência de proteção, mas, sim, de afastamento da aplicação da LGPD em sua integralidade, sem prejuízo da incidência de outros marcos normativos e constitucionais.

Risco à dignidade e privacidade

Outro aspecto de extrema relevância diz respeito ao caráter sensível de determinados dados tratados pelos partidos, como a opinião política, cuja proteção exige salvaguardas reforçadas em razão de seu elevado potencial discriminatório. Dados pessoais sensíveis recebem essa classificação justamente porque seu uso inadequado pode gerar graves riscos à dignidade, à privacidade e à não discriminação dos titulares. Por essa razão, o princípio da não discriminação ocupa posição central no regime jurídico de proteção de dados, funcionando como um limite intransponível ao uso de informações que, por sua própria natureza, possuem “capacidade discriminatória, seja por entes privados — como fornecedores de bens e serviços —, seja por entes públicos” (Mulholland, 2018, p. 159-180).

Spacca

Esse silêncio é particularmente grave, considerando que tanto a ANPD quanto o TSE já desenvolveram normas, orientações e instrumentos regulatórios específicos para enfrentar os desafios da aplicação da LGPD no contexto eleitoral e partidário. A título de exemplo, a própria ANPD reconheceu formalmente as dificuldades enfrentadas por agentes de tratamento de pequeno porte, editando a Resolução CD/ANPD nº 2/2022, que institui um regime jurídico diferenciado, com flexibilizações proporcionais e calibradas. O modelo busca exatamente compatibilizar a proteção dos direitos fundamentais dos titulares de dados com a viabilidade econômica e operacional das organizações, sem renunciar às garantias essenciais de segurança e integridade dos dados.

A retirada dos partidos do regime jurídico da LGPD não apenas fragiliza a proteção de dados sensíveis — como informações sobre filiação partidária e opinião política —, mas também fomenta um ambiente institucional permissivo para práticas abusivas contemporâneas, tais como o perfilamento algorítmico e o micro direcionamento de conteúdo político-eleitorais. Essas estratégias, já amplamente documentadas na literatura, produzem efeitos deletérios sobre a esfera pública digital, ao fomentar a fragmentação do debate, a formação de bolhas informacionais e a propagação direcionada de desinformação, com sérios riscos à autonomia dos eleitores, à integridade do processo eleitoral e à proteção dos direitos fundamentais (Ferreira, no prelo).

Barreira contra abusos e promoção da transparência

É imperioso reafirmar que a proteção de dados não se trata de um obstáculo burocrático, mas de um instrumento indispensável para a efetivação da dignidade da pessoa humana, da autonomia individual e da preservação das liberdades civis. A proteção de dados atua como barreira contra abusos, promove a transparência e assegura um ambiente institucional mais ético e seguro no tratamento de informações pessoais (Mendes; Doneda, 2018). Como bem destacam Solove e Hartzog (2024, p. 1.026), a privacidade não é um fim em si mesma, mas uma condição prévia essencial para o florescimento de valores sociais estruturantes, como a democracia, a liberdade, a criatividade, a saúde e o desenvolvimento intelectual e emocional.

Na verdade, a proposta parece ignorar completamente um dos debates jurídicos e acadêmicos mais relevantes da atualidade: a necessidade de enfrentar, no âmbito do direito eleitoral, as novas formas de exercício do poder político, que se manifestam de modo relacional, opaco e, muitas vezes, invisível, especialmente no ambiente digital. Como bem aponta a literatura, práticas como o abuso de algoritmos, a manipulação digital e o tratamento descontrolado de dados pessoais constituem hoje formas sofisticadas de distorção do processo democrático, cuja repressão exige arcabouço normativo robusto e tecnicamente consistente (Ferreira, no prelo; Casas; Silveira; Alvim, 2024).

Causa estranheza que o Substitutivo ignore completamente as iniciativas já adotadas por órgãos competentes, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para lidar com os desafios da aplicação da LGPD no contexto eleitoral e partidário. A ANPD, por meio da Resolução CD/ANPD nº 2/2022, criou um regime jurídico diferenciado para agentes de pequeno porte, com flexibilizações proporcionais e calibradas, preservando a proteção dos direitos dos titulares sem inviabilizar a atividade das organizações. Além disso, publicou diversos Guias Orientativos, como o Guia de Segurança da Informação, oferecendo soluções acessíveis para entidades com recursos limitados.

Guia para aplicação eleitoral

O TSE, por sua vez, em parceria com a ANPD, elaborou em 2021 o Guia sobre a aplicação da LGPD no contexto eleitoral, reafirmando que o cumprimento da LGPD é indispensável para garantir não apenas direitos individuais, mas também a integridade do processo democrático. Ademais, desde 2019, por meio da Resolução TSE nº 23.610, sucessivamente atualizada (23.671/2021 e 23.732/2024), o Tribunal já incorporou expressamente os princípios e as obrigações da LGPD às regras de propaganda eleitoral e uso de dados no processo eleitoral, demonstrando que o ordenamento possui meios adequados e proporcionais para enfrentar os desafios do tratamento de dados no ambiente político-eleitoral.

Diante desse cenário, é fundamental que o debate legislativo retome o foco em seu objeto original: a necessidade de regulamentação específica e responsável para o tratamento e a proteção de dados biométricos, tema que, inclusive, é atualmente objeto de uma Tomada de Subsídios aberta pela ANPD. Esse processo demonstra, de forma inequívoca, que o caminho adequado é aprofundar a discussão sobre os riscos, os limites e as salvaguardas aplicáveis ao uso de tecnologias sensíveis como a biometria, e não desviar o debate para exceções indevidas que, se aprovadas, colocarão em risco não apenas a proteção de dados, mas também direitos fundamentais e a própria estabilidade democrática.





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