Search
Close this search box.

07/07/2025

Search
Close this search box.

Às vezes entro numa espécie de transe – 29/06/2025 – Giovana Madalosso

Não sei se transe é a melhor tradução para o estado em que eu costumo entrar. Como descobri há poucos dias, nos Estados Unidos, chamam isso de flow, mas reluto um pouco em importar certas palavras. Embora precise dar o braço a torcer para o favor que o impronunciável psicólogo húngaro-americano Mihaly Csikszentmihalyi fez ao nomear esse exercício que tanto pratico, há tantos anos.

Não que seja essa novidade toda. O escritor português Lobo Antunes já havia chegado a colocar esse estado em palavras, ainda que de forma menos sintética e aplicada apenas à escrita: “aquela hora em que a mão descola da cabeça.”

Quem escreve com frequência sabe o que isso significa: o momento em que você para de julgar cada linha que coloca no papel e o texto flui sem barreiras, como se fosse o seu inconsciente que estivesse escrevendo, a ponto de, ao fim, você ler a página e exclamar: uau, olha o que eu escrevi.

Já senti isso tantas vezes e com tanta intensidade que uma época, quando estava acabando de escrever um romance, tive medo de me descolar da realidade a ponto de sair de casa só de camiseta e calcinha –era assim que eu escrevia durante o verão, quando ainda morava sozinha.

E mesmo escrevendo tanto, a ponto de quase esquecer as calças, nunca antes conheci o termo flow, descrito como a experiência de ficar totalmente absorto por uma única tarefa. “Um estado em que nos sentimos no nosso melhor e, em termos de performance, também entregamos o nosso melhor”, segundo Steven Kotler, jornalista e diretor do Flow Research Collective.

Geralmente o termo “performance” me dá engulhos, já que costuma aparecer ligado às exigências da Sociedade do Cansaço, mas aqui essa performance vem acompanhada de prazer e, às vezes, até de uma certa renúncia em se encaixar na planilha da produtividade, onde a vida soluça e soçobra com hora marcada.

Em estado de flow, já escrevi mais de oito horas sem parar, ignorando a dor nas costas e o ronco da minha barriga. Já desmarquei alguns compromissos e esqueci de outros.

E obviamente esse estado não se restringe à faculdade da escrita. Também entra nesse transe a minha amiga que faz ikebanas e não escuta as notificações enquanto torce o pescoço de orquídeas e antúrios. Também entra o meu irmão, enquanto faz a massa fresca para o seu restaurante. Ou minha filha, que se perde e se reencontra com o mundo cantando.

Quem entra nesse estado sabe o quanto é prazeroso. O foco na tarefa é tão grande que suspende os outros pensamentos, nos livrando do caos de pensar e antecipar e se preocupar com várias coisas, o tempo inteiro. Quase como um estado meditativo, mas distinto, porque se na meditação buscamos a vacuidade, aqui deslizamos por filetes agrupados de pensamentos.

Quem entra nesse flow, ou seja lá que nome se dê para isso, ainda quebra o condicionamento mental gerado pelas redes e pelas narrativas curtas. Num mundo em que a atenção está fragmentada, ficar horas fazendo a mesma coisa sem dar subsídios para algoritmos ou anúncios é uma forma de subversão. Correr livre na grama da criatividade, escapar com graça e glória das catracas do sistema.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Clique aqui para acessar a Fonte da Notícia

VEJA MAIS

Barcelona toma atitude após temporada do goleiro Szczesny; veja

O Barcelona anunciou, nesta segunda-feira (7/7), a renovação de contrato com o goleiro polonês Wojciech…

Milan, time do Monte Castelo, é campeão da Copa Regional

O Milan, do Bairro Monte Castelo, Zona Norte de Juiz de Fora, se tornou, no…