O “nós contra eles” é indissociável da política, que é feita, afinal, de grupos em luta pelo poder. E, quando um grupo consegue associar a si mesmo com “o povo” e pintar o adversário como “as elites”, o discurso vira uma arma poderosa. Não foi invenção de Marx, não. Desde a mais remota antiguidade o conflito entre grupos —especialmente pobres e ricos— sempre deu a tônica da política. Das campanhas pela reforma agrária dos irmãos Graco na Roma republicana à Revolução Francesa, essa polarização sempre esteve presente. Às vezes, ela aflora. A vantagem da democracia é dar vazão a essas polaridades sem necessidade de guerra civil.
O governo Lula descobriu que ele ainda consegue engajar o povo. Para um governo emparedado pelo Congresso, é uma lufada de esperança conseguir colar nos deputados a pecha de defensores do “andar de cima”. É ilusório acreditar que ele não a usaria em nome de uma harmonia social, assim como a direita sempre utiliza o “nós contra eles” para enfrentar a esquerda.
Faz parte do jogo da política usar essa narrativa. Só não nos esqueçamos de que é isso que ela é: uma narrativa, e não a descrição objetiva da realidade. Pois mesmo o governo Lula toma medidas que, se viessem da oposição, ele acusaria de elitistas. Quando ele passa o pente fino no Bolsa Família, propõe incluir o Pé-de-Meia no piso da educação, restringe o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e o seguro-defeso, está cortando do “andar de baixo”. E ele está certo ao fazê-lo: tão importante quanto destinar recursos à base da pirâmide, é garantir que esses recursos serão usados do modo mais eficiente possível.
O “nós X eles” leva a uma visão “soma zero” da realidade. Para um grupo ganhar, é preciso tirar de outro. Ou seja, redistribuição. É uma política necessária, mas que tem limites. Uma política de aumento automático de gastos sociais —sem avaliação de impacto— que arrebente as contas públicas e produza inflação pode até se vender como favorável aos mais pobres, mas na prática os empobrecerá ainda mais.
Ao contrário do que rezam certas visões de esquerda, o desenvolvimento econômico não ocorre por meio da exploração dos trabalhadores. Se assim fosse, os países mais ricos seriam aqueles com o proletariado mais miserável. Na realidade, o que ocorre é o exato oposto: países mais ricos —inclusive com maior concentração de ricos— costumam ser também países em que a classe trabalhadora vive melhor. Ou o país funciona para todos, com uma lógica de ganha-ganha, ou todos estarão pior.
Uma coisa é a distribuição da carga tributária. Aqui o governo está certo: é preciso que os ricos paguem mais para que os pobres possam pagar menos. E é isso que ele fará quando aprovar a reforma do IR (Imposto de Renda), isentando quem ganha até R$ 5.000 por mês. Essa reforma, aliás, em nada ajudará o governo a fechar suas contas: tudo que os ricos pagam a mais se transforma em redução de imposto para os mais pobres.
Outra coisa é o aumento contínuo da carga tributária para fechar as contas, como no caso do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Com uma economia cada vez mais pesada, o Brasil, que já cresce mais lentamente que seus pares emergentes há décadas, deve ficar ainda mais para trás. Um pacto dos três Poderes para conter gastos faria mais pela base de nossa pirâmide do que discurso de luta de classes usado em favor de uma carga tributária que não para de crescer.
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