Invasões, depredação, roubos de equipamentos e merenda, além do desrespeito às regras, fizeram com que a Escola Estadual Parque dos Sonhos, no bairro Jardim Nova República, em Cubatão (SP), ficasse conhecida como “Parque dos Pesadelos”. Mas esse cenário mudou. Hoje, a instituição é finalista na categoria “Superação de Adversidades” do Prêmio Melhores Escolas do Mundo, premiação internacional criada em 2022 pela organização britânica T4 Education que reconhece projetos educacionais inovadores e transformadores.
💬 Tire suas dúvidas e converse com outros educadores nas comunidades do Porvir no WhatsApp
A resposta para essa mudança está na gestão e na postura do diretor Régis Marques Ribeiro. Desde que virou gestor, em 2016, ele implementa uma série de iniciativas reunidas no projeto “Transformando Pesadelos em Sonhos”, que faz referência direta ao antigo apelido da escola. Régis relembra os desafios de sair da sala de aula para, pela primeira vez, liderar uma escola marcada por tantas dificuldades.

“A escola fica no fundo do bairro, então era fácil entrar, roubar materiais, destruir e vandalizar, porque não havia alarme e, quando as luzes se apagavam, não dava para enxergar nada. Dentro da escola havia muita violência: os alunos não queriam assistir às aulas e muitos estavam fora da série-idade adequada. Na hora do almoço, vários pulavam as grades para comprar refrigerantes do lado de fora, e outros entravam para namorar as meninas aqui dentro. Era bastante difícil. No segundo dia em que assumi a direção, encontrei cinco pedras na minha sala: haviam apedrejado os vidros”, relembra.
Prêmios e reconhecimento A Escola Estadual Parque dos Sonhos está entre as quatro instituições brasileiras finalistas do Prêmio Melhores Escolas do Mundo 2025. Saiba mais sobre a premiação neste link |
O contexto desafiador não desanimou a equipe. Com a Parque dos Sonhos integrada ao Programa de Ensino Integral (PEI) do estado de São Paulo, Régis passou a trabalhar com o corpo docente para reverter a evasão: de 240 alunos em 2015, restaram apenas 116 em 2016. Para o diretor, o problema central era que os estudantes não eram vistos como pessoas. “Ou eram só alunos, ou um número, ou considerados meliante, bandido, marginal. Não havia proximidade. Como tínhamos apenas 116 alunos, podíamos fazer um trabalho intenso de luta e transformação. Sigo a linha de Paulo Freire, de que o aluno deve ser agente transformador de sua realidade. Mas, quando eu sugeria as ações, professores e estudantes diziam: ‘não vai dar certo’. Estávamos todos bastante desanimados.”
A descrença, porém, logo caiu por terra. Depois de conquistar apoio financeiro do Itaú Social em 2016 — fruto de 135 ofícios enviados a diversas empresas —, as mudanças começaram: a escola foi pintada por dentro e por fora, trocou-se o piso danificado e instalou-se o maior painel grafitado da Baixada Santista, com 600 m². Pela primeira vez, os alunos perceberam que algo estava sendo feito por eles.
Uma das principais ações foi o projeto “Escola vai à sua casa”, em que os educadores agendavam visitas às residências dos estudantes, especialmente nos casos de faltas recorrentes e risco de evasão.
🟠 Inscreva seu projeto escolar no Prêmio Professor Porvir
“Muitas vezes, os pais não davam valor à escola — tanto porque era o ‘Parque dos Pesadelos’, quanto porque queriam que o filho ficasse cuidando do irmão mais novo em casa. Íamos apenas para explicar o projeto pedagógico e mostrar a importância da escola, não para cobrar o aluno. Certa vez, as professoras foram e encontraram o estudante sozinho: a mãe sabia da visita, mas não estava em casa nem havia deixado nada para o menino comer. Para alguns docentes, isso foi impactante, pois passaram a entender o aluno como ser humano: ‘eu cobro desse estudante, mas em casa ele não tem nenhum suporte’.”

Esse investimento na escuta das famílias resultou em um abaixo-assinado pela extensão do ensino integral também aos anos iniciais do ensino fundamental. A partir daí, a gestão firmou parcerias para oferecer projetos extracurriculares como voleibol, capoeira, patinação artística, jornal, corte e costura, informática, badminton e atletismo. Apesar de apoios pontuais, todos os profissionais externos atuam como voluntários.
Paralelamente, Régis destaca cinco pilares que sustentam a transformação da cultura escolar:
- tratar cada aluno pelo nome;
- cultivar proximidade com estudantes e professores;
- buscar o convencimento, não a imposição;
- estar presente na comunidade;
- enxergar a escola como projeto social de mudança de vida.
Escrevendo sonhos
Professora de língua portuguesa e responsável pelo projeto do jornal da escola — o “Notícias do Parque” —, Laís Matos ecoa as palavras de Régis ao lembrar da resistência inicial à retomada do periódico. A iniciativa já existira antes, mas não teve continuidade. Então, o diretor convidou Laís para reativar o jornal, que hoje conta com cerca de 15 alunos do quinto ao nono ano.
“Muitos diziam que o jornal não sairia, mas, quando viram o primeiro exemplar com reportagens sobre a escola e os projetos que eles mesmos realizam, outros estudantes me procuraram para participar”, relata a educadora. O grupo se reúne todas as quartas-feiras para definir pautas e produzir as matérias sobre as iniciativas escolares. Segundo Laís, os alunos se orgulham de ver suas atividades estampadas no jornal, distribuído trimestralmente graças a uma parceria de diagramação e impressão.

“Com o jornal, alunos e professores perceberam quantas coisas fazemos aqui. Foi emocionante ver o sorriso deles ao dizer: ‘eu faço parte desse processo, da história desta escola’.”
Grande parte dessas transformações, afirma Laís, deve-se ao investimento “no lado humano” promovido pela gestão. “O Régis é muito ativo e sempre diz que precisamos desenvolver o lado humano dos alunos. A maioria dos projetos sai das ideias espetaculares que ele propõe, sempre pensando no melhor para os estudantes e para a escola.”
Leia também
Prêmio coloca 4 escolas brasileiras entre 10 melhores do mundo
ACESSAR
Escola argentina vence categoria com brasileira entre as finalistas
ACESSAR
Participação dos estudantes na escola
ACESSAR
Quem vive na pele os efeitos dessas mudanças é Raphaella Vitória da Silva Lopes, aluna do 9.º ano. Na escola desde o início do ensino fundamental, ela acompanhou de perto toda a evolução.
“Quando entrei, muitos tinham medo de vir: era uma luta diária para não acontecer nada e impedir invasões. Nos últimos anos, o diretor criou projetos e reforçou nossa segurança, dizendo que a escola tinha mudado e que ninguém mais nos invadiria. Fomos ganhando confiança. Acho que a transformação verdadeira vem da equipe de gestão, que corre atrás de melhorias todos os dias. Esses projetos ajudam a quebrar a rotina, pois estudar nove horas seguidas é cansativo. Os professores também são pacientes: revisam e explicam de novo sempre que alguém não entende.”

Muito comunicativa, Raphaella foi indicada pelos colegas para o jornal por sua habilidade de expressão. Depois de escrever sobre o grêmio estudantil, a finalização do prêmio e o tema empreendedorismo, ela descobriu sua vocação.
“Um dia, o diretor disse que eu deveria investir na carreira de jornalista, pois sei me expressar e corro atrás das oportunidades. Comecei a pesquisar canais de jornalismo e me identifiquei. Depois que entrei no jornal, percebi que é isso que quero. Esse projeto transforma minha vida.”
Assine nossa newsletter e fique por dentro das tendências em educação