Todas as sextas-feiras, ao vivo, a partir das 21h (pelo horário de Brasília), vai ao ar o Programa Olhar Espacial, no canal do Olhar Digital no YouTube. O episódio da última sexta-feira (23) (que você confere aqui) repercutiu o anúncio da maior fusão de buracos negros já detectada e como ela é o começo do futuro da observação espacial por ondas gravitacionais.
A pós-doutora e pesquisadora Cecília Chirenti explicou como os astrônomos captaram esse evento e o que os intrigou nos resultados. Chirenti possui doutorado em Física pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo e pós-doutorado pelo Instituto Max Planck de Física Gravitacional na Alemanha. Atualmente é professora associada da Universidade Federal do ABC e pesquisadora associada da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.
Buracos negros estavam próximos ao limite de velocidade
A descoberta foi anunciada pela equipe do LIGO (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro a Laser) na última segunda-feira (14). Os dados do evento haviam sido captados em 2023, e desde então os pesquisadores dedicaram dois anos à análise do sinal para entender sua origem.
O evento, nomeado de GW231123, envolveu dois buracos negros com massas de 100 e 140 vezes a do Sol a 10 bilhões de anos-luz da Terra. Ambos se fundiram e geraram um corpo maior, com 225 massas solares. A massa restante do fenômeno se transformou em ondas gravitacionais, que viajaram pelo cosmos até serem detectadas pelos pesquisadores.
Ao captarem a fusão, os cientistas observaram que os buracos negros giravam a uma velocidade impressionante: cerca de 400 mil vezes mais rápida que a rotação da Terra, chegando perto do limite teórico previsto pela física para esse tipo de astro.

Chirenti explicou o que aconteceria caso essa barreira fosse ultrapassada: “se um buraco negro girasse mais rápido que o limite, o horizonte de eventos sumiria e só sobraria a singularidade. Esperamos que isso não aconteça na natureza, embora essa hipótese nunca tenha sido provada”.
O fenômeno foi identificado por meio de ondas gravitacionais, ondulações no próprio tecido do espaço-tempo. Elas surgem quando objetos extremamente massivos se movimentam ou interagem de forma intensa, provocando distorções que se propagam pelo Universo.
Essas ondulações foram previstas pela Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein em 1915, mas só foram diretamente detectadas em 2015, quase um século depois. Na época, essa descoberta histórica foi feita pelo próprio LIGO e marcou o início de uma nova era na observação do cosmos.
Como cientistas captaram as ondas gravitacionais?
Detectar ondas gravitacionais é um dos maiores desafios da física experimental. Quando alcançam a Terra, essas ondulações têm uma amplitude de nível subatômico, cerca de 10 mil vezes menor que o diâmetro de um próton.
Para captar essas minúsculas variações no espaço-tempo, o LIGO opera dois detectores nos Estados Unidos, localizados nos estados de Washington e Louisiana. Cada instalação possui uma estrutura em forma de “L”, com dois braços que se estendem por quatro quilômetros.
No ponto de encontro dos lados, um feixe de laser é dividido em dois, percorrendo cada direção até atingir espelhos colocados nas extremidades. Após refletirem, os feixes retornam ao ponto de origem, onde eventuais interferências em seus trajetos podem indicar a passagem de fenômenos ondulatórios.

Para evitar perturbações indesejadas, os dois edifícios estão separados por uma distância de cerca de 3 mil quilômetros, o que permite a confirmação da passagem das ondas gravitacionais, pois o mesmo sinal deve ser detectado em ambos os locais.
“A ideia é que, se passou um caminhão no observatório do sudeste, não passou um no do noroeste ao mesmo tempo. Então, os pesquisadores procuram por coincidências entre os sinais dos dois detectores”, explicou a cientista.
Para pesquisadora, modelos matemáticos precisam de aprimoramento
Quando uma onda gravitacional atravessa esse sistema, um dos braços do laser se estica mais que o outro e essa pequena variação é detectada. Ao estudar essa interferência, cientistas conseguem estimar o evento que a causou.
“Toda vez que há uma detecção, queremos entender qual cenário era esse: quais eram os buracos negros, a distância em que estavam, suas massas e outras propriedades”, disse ela.
Para isso, os pesquisadores usam diversos modelos matemáticos e computacionais do cosmos. Segundo Chirenti, para cada modelo, a equipe calcula o melhor cenário de origem do sinal captado.
Normalmente, eles concordam entre si. Porém, nessa nova descoberta, não concordaram de forma eficiente. “Chegamos a conclusão de que os modelos ainda não são muito bons quando os buracos negros estão girando muito rápido”, comentou a pesquisadora.
“O desafio, a partir de agora, é melhorar os modelos, reanalisar os dados no futuro e aprender mais acerca desse evento”, explicou Chirenti.

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Futuro do estudo de ondas gravitacionais está no espaço
Para a pesquisadora, o próximo passo na detecção de ondas gravitacionais está na missão LISA (Antena Espacial de Interferômetro Laser), uma parceria entre a NASA e a Agência Espacial Europeia (ESA).
A LISA será composta por três naves espaciais posicionadas a aproximadamente 2,5 milhões de quilômetros umas das outras. Elas estarão localizadas atrás da Terra, acompanhando sua órbita ao redor do Sol, a uma distância mais de cem vezes maior que a que nos separa da Lua.
“Poderemos medir colisões de buracos negros supermassivos, e isso será muito bacana. Vamos começar a descobrir sistemas binários gigantes, com duas galaxias em rota de fusão e nesses casos, esperamos que também haja luz. Poderemos medir ondas eletromagnéticas junto com as gravitacionais”, disse Chirenti.
O lançamento das espaçonaves da missão LISA está previsto para 2035. Com elas, a humanidade dará um novo passo na exploração do cosmos e será capaz de “ouvir” e “ver” o Universo em alta definição.