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22/07/2025

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avanços e persistências dos problemas federativos no Brasil


Foto via Freepik

Por Wagner Dirlon 

A reforma tributária em curso, com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), traz uma proposta inovadora de unificação e racionalização do sistema tributário brasileiro. Um dos pontos centrais é a distribuição da arrecadação do IBS entre os entes subnacionais — Estados, Distrito Federal e Municípios — com base no princípio do destino, sob a gestão técnica do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS).

Contudo, ao analisarmos essa nova lógica distributiva à luz dos cinco principais problemas estruturais do sistema atual, percebemos tanto avanços quanto riscos de manutenção de antigas distorções. A seguir, discutimos cada um desses pontos com base na regulamentação proposta.

1. Critérios de repartição ainda limitados

O modelo do IBS avança ao adotar o destino como critério principal de repartição, o que melhora a correlação entre consumo local e arrecadação, especialmente nos municípios.

Entretanto, a fórmula da Receita Inicial continua fortemente baseada na incidência fiscal da operação de consumo em determinado local, sem incorporar variáveis socioeconômicas mais amplas como IDH, pobreza ou capacidade fiscal per capita. Ou seja, o modelo melhora a justiça horizontal (entre entes com estrutura semelhante), mas não necessariamente a justiça vertical (entre regiões ricas e pobres).

Além disso, a alocação proporcional de regimes específicos, como serviços financeiros e combustíveis, embora técnica, pode gerar desigualdade se os indicadores de distribuição — como o domicílio do cotista, titular ou contratante — não refletirem adequadamente o local de fruição do serviço.

Esse ponto revela um risco concreto de manutenção de um modelo distributivo pouco sensível às desigualdades regionais e estruturais.

2. Concentração de poder arrecadatório versus gestão técnica

O IBS é compartilhado entre Estados e Municípios, o que teoricamente reduz a dependência de repasses da União. Além disso, o CG-IBS assume papel central de cálculo, arrecadação e distribuição, o que profissionaliza e tecnifica a gestão tributária.

No entanto, essa centralização operacional no CG-IBS pode gerar tensões entre os entes federativos quanto à transparência e ao controle político do órgão, especialmente em um país historicamente marcado por disputas federativas.

Há, por um lado, um avanço relevante com maior autonomia subnacional na origem da receita. Por outro, um alerta necessário sobre o risco de nova concentração decisória, caso o CG-IBS não tenha garantias institucionais robustas de governança multilateral.

3. Transparência e previsibilidade: um salto positivo

A exigência de transferências em até três dias úteis após o fechamento do período de apuração e a possibilidade de definição de períodos diários de apuração trazem um avanço significativo na previsibilidade e controle orçamentário local.

Além disso, o uso de sistemas como o Siconfi e bases fiscais para estimativas reforça a transparência da receita estimada e realizada.

Nesse ponto, há um avanço consistente na previsibilidade, periodicidade e rastreabilidade das transferências — um dos gargalos históricos do FPE e FPM.

4. Desigualdades regionais ainda mal endereçadas

Apesar do foco no destino, a Receita-Base não contempla critérios redistributivos explícitos, como fundos de equalização regional ou mecanismos de compensação para localidades com menor atividade econômica.

Embora existam ajustes para créditos presumidos — como os voltados à Zona Franca de Manaus e transportadores autônomos — eles são pontuais e compensatórios, e não estruturantes. O mesmo se aplica ao cashback: sua dedução é proporcional ao volume arrecadado, mas não está atrelada diretamente à desigualdade social local.

A consequência é a persistência de um modelo pouco solidário, onde entes mais ricos tendem a arrecadar mais e perpetuar disparidades de longo prazo.

5. Complexidade operacional e riscos de competição disfarçada

O modelo do IBS, embora tecnicamente bem desenhado, apresenta elevada complexidade operacional nos regimes específicos. A multiplicidade de regras para cada setor — como consórcios, fundos, seguros, cooperativas, transporte coletivo — pode abrir margem para disputas interpretativas e novos incentivos à guerra fiscal indireta, via definição de domicílios, cadastros e simulações de destino.

Além disso, os ajustes por alíquotas distintas entre entes federativos — com deduções e acréscimos — podem reacender mecanismos de competição tributária disfarçada.

Isso revela um risco real de fragmentação na aplicação do IBS, caso a governança do CG-IBS e a fiscalização integrada não funcionem com altíssimo rigor.

Conclusão: avanços reais, mas desafios persistentes

A reforma do IBS representa um passo relevante na modernização da estrutura fiscal federativa brasileira, com maior previsibilidade, base no destino e gestão técnica compartilhada. No entanto, grande parte dos problemas históricos da repartição tributária — especialmente os ligados à desigualdade e à autonomia real dos entes — ainda permanecem.

Para que a reforma cumpra seu papel de garantir justiça fiscal e fortalecimento federativo, será necessário avançar em três frentes principais: critérios redistributivos estruturais, além da lógica de consumo; reforço da governança multilateral e transparente do CG-IBS; e simetria nas capacidades fiscais e de controle entre os entes.

Sem isso, corremos o risco de modernizar o sistema, mas reproduzir antigos vícios com nova roupagem.


Wagner Dirlon tem sólida vivência em liderança estratégica e gestão de pessoas, com foco em transformação de processos, melhoria contínua e desenvolvimento de equipes de alto desempenho. É Head of Finance & Tax Services Brazil na Neodent. É fundador da Leading IsCool.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.



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