Uma publicação nas redes sociais informando que fiéis só poderiam ser batizados após o pagamento de R$ 80 causou indignação entre evangélicos de todo o país. A cobrança, segundo os relatos, incluiria uma pulseira e uma camiseta obrigatórias para a participação na cerimônia. A orientação teria sido repassada em grupos de WhatsApp ligados à Igreja Batista da Lagoinha, unidade de Alphaville, em Barueri (SP).
A repercussão foi imediata. Para muitos cristãos, a medida fere a essência do evangelho ao atrelar um ato espiritual a uma condição financeira. O teólogo e pesquisador Rodolfo Capler considera que a prática rompe com os fundamentos da fé cristã.
“Cobrar por algo que é sinal da graça de Deus é deturpar o evangelho na sua essência. O batismo é símbolo de arrependimento, entrega e nova vida em Cristo e não um produto, não um show com pulseira e camiseta. A fé não pode ser gerida como um negócio. Quando isso acontece, o templo vira mercado e, o púlpito, balcão”, afirma.
A comparação com a venda de indulgências na Idade Média também apareceu nas reações. Capler vê paralelos com o erro que Martinho Lutero denunciou no século XVI: o comércio do sagrado. “Quando se cobra por um sacramento ou por qualquer símbolo de obediência a Deus, a lógica da graça é rompida. A fé vira moeda, o evangelho vira produto e a cruz perde seu poder. O risco é espiritual e trágico”.
Distorção do Evangelho
O pastor Gilmey Meyreles, coordenador do projeto Viver Cariacica, ES, observa que essa lógica de cobrança é reflexo de uma teologia que vem distorcendo o evangelho há anos.
“A fé já se transformou em objeto de cobiça e valor tem algum tempo. Antes, foi a promessa de riqueza, agora, são práticas como essa, de cobrar por algo que deveria ser corriqueiro na vida cristã. Em Mateus 10, Jesus diz: ‘De graça recebestes, de graça dai’”.
O impacto social dessa prática também preocupa. Meyreles alerta que, em comunidades vulneráveis, muitos sequer têm o básico para viver. “Sou pastor em comunidade de periferia. Às vezes somos nós, pastores, que levamos cesta básica para os membros da igreja. Imagine ter que dizer a essas pessoas que, para serem batizadas, precisam pagar. Isso é a elitização do evangelho”.
O pastor Gilson de Oliveira, reitor da Faculdade Teológica FAITESP e comandante nacional da Capelania Unicev, também vê na prática um risco grave de transformar o sagrado em produto. “Cobrar para que alguém seja batizado fere os princípios do evangelho e vai contra os ensinamentos de Jesus. O batismo é uma ordenança que simboliza o novo nascimento e deve ser acessível a todos, sem distinção”.
A Bíblia oferece diretrizes claras sobre o tema. Em Mateus 28:19, Jesus ordena aos discípulos: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” Não há qualquer menção a taxas ou exigências financeiras. Em Atos 8, Pedro repreende duramente Simão por tentar comprar um dom espiritual: “Pereça contigo o teu dinheiro, pois julgaste que o dom de Deus se obtém por dinheiro!”
Exclusão social
Especialistas ouvidos pela Revista Comunhão destacam ainda os riscos de exclusão social que esse tipo de cobrança pode causar. Ao impor barreiras financeiras ao batismo, a igreja deixa de acolher e passa a selecionar quem pode ou não participar da vida comunitária.
Para o pastor Rodrigo Vieira, da Igreja Batista da Paz, em Marília, São Paulo, esse tipo de cobrança fere os princípios fundamentais do evangelho. Ele afirma que a prática representa risco de transformar o sagrado em produto. “Mas ainda que tenha joio no meio do trigo, essas pessoas pertencem ao Senhor, vão continuar sendo Dele”.
O pastor Rodrigo alerta para os riscos de heresias e de uma mentalidade equivocada sobre a graça. “Esse é o verdadeiro risco. A manipulação pelo legalismo”. O pastor Rodrigo destaca que esse tipo de cobrança pode transmitir à sociedade a imagem de uma igreja mercenária, o que considera uma injustiça com as igrejas sérias.
“Quando Cristo fala em Mateus 7, que no juízo final muitos dirão: ‘Senhor, expulsamos demônios, curamos’. Ele responde ‘Não vos conheço’. Essa fala é dirigida a líderes que pregam heresias, vendem indulgências, ganham likes e exposição nas mídias.
A Igreja Batista da Lagoinha, unidade de Alphaville, em Barueri (SP), foi procurada para comentar o caso, mas não retornou.
Fonte: Comunhão