Quando defendo a superioridade da atitude humorística enquanto estratégia para lidar com o medo, o mal e a morte, há sempre alguém que contesta os meus argumentos com uma objecção fundamental. Consiste ela em assinalar que a tal atitude humorística não nos livra nem do medo, nem do mal, nem da morte. Mas eu nunca disse o contrário, até porque nada nos livra do medo, do mal e da morte.
O que eu digo é que aquela atitude fornece uma espécie de anestesia filosófica, muito precária e passageira, contra o medo, o mal e a morte. É muito pouco, quase nada, mas eu não conheço uma estratégia melhor.
Trata-se de olhar para o que é inevitável e dizer: não estou impressionado. A realidade da nossa existência é dura, cruel, inescapável —e a gente pergunta: sim, e daí? Certas pessoas, como dizia, não enxergam a vantagem deste método. Então eu explico.
A vantagem é a seguinte (é preciso estar com atenção para a ver, porque é mesmo ínfima): somos todos condenados à morte, mas alguns de nós optam por fazer o percurso entre a cela e o cadafalso de cabeça baixa, lamentando esse destino. E outros escolhem fazê-lo dançando.
Se os meus interlocutores insistem no ceticismo, avanço com o argumento decisivo, que prova sem margem para dúvidas a superioridade da atitude humorística: em março de 1978, Charlie Chaplin foi sequestrado por dois bandidos, que o mantiveram em cativeiro durante 76 dias, sem comida nem água.
Pois o grande humorista permaneceu impassível, calmíssimo, nunca se afligindo nem demonstrando o mais pequeno sinal de receio. Certo, diz quem discute comigo, mas Chaplin tinha morrido em dezembro de 1977.
É verdade, se quisermos ir a pormenores. Mas os bandidos desenterraram o seu caixão, esconderam-no num campo de milho, e enviaram dezenas de pedidos de resgate à viúva. Ela não pagou.
Disse mesmo que tinha a certeza de que, se fosse vivo, Chaplin haveria de achar muita graça à situação. Os sequestradores que ficassem com o cadáver, se isso lhes dava alguma felicidade.
É o que eu digo ao mundo, ou à vida (não sei bem): no fim, vais ficar com o meu imprestável cadáver.
Parabéns pela tua vitória, trouxa.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.