Narrador-personagem é um tipo de narrador. Ele narra a história em primeira pessoa, já que participa dos eventos narrados. Por isso, apresenta uma visão parcial ou unilateral da trama narrada. Esse tipo de narrador pode ser protagonista da história ou apenas um personagem secundário que testemunha as ações do(a) protagonista.
Não pare agora… Tem mais depois da publicidade 😉
Leia também: Quais são os elementos de uma narrativa?
Tópicos deste artigo
Resumo sobre narrador-personagem
- O narrador-personagem é aquele que, além de narrar, é personagem da história por ele narrada.
- Esse tipo de narrador utiliza a primeira pessoa e apresenta uma visão unilateral dos fatos.
- O narrador-personagem pode ser protagonista da história ou um personagem secundário que testemunha as ações do(a) protagonista.
O que é narrador-personagem?
O narrador-personagem é aquele que não só conta a história, mas também é personagem dessa história.
Características do narrador-personagem
- Utiliza a primeira pessoa.
- Tem uma visão unilateral dos fatos.
- Possui características físicas e psicológicas.
- Está explícito na narrativa.
- Apresenta subjetividade ou parcialidade narrativa.
Não pare agora… Tem mais depois da publicidade 😉
Tipos de narrador-personagem
- Protagonista: é personagem principal da história que está narrando.
- Testemunha: é personagem secundário, de forma que é uma testemunha das ações exercidas pelo(a) protagonista da história.
Textos com narrador-personagem
As duas narrativas brasileiras mais famosas que apresentam narrador-personagem são o romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, e a novela A hora da estrela, de Clarice Lispector. Bentinho é o narrador e protagonista de Dom Casmurro. Já Rodrigo S. M. é personagem, mas também testemunha, já que narra a história da protagonista Macabéa.
O narrador da obra de Clarice Lispector é bastante peculiar, já que ele é um personagem da história, mas também assume características de narrador-observador e onisciente. Afinal, quando narra a história de Macabéa, ele pode contar apenas o que observa ou apontar o universo interior da personagem principal.
A seguir, vamos ler um trecho de Dom Casmurro e de A hora da estrela:
CAPÍTULO CXI
Contado depressaAchei-lhe graça, e não lha nego ainda agora, apesar do tempo passado, dos sucessos ocorridos e da tal ou qual simpatia ao rato que acho em mim; teve graça. Não me pesa dizê-lo; os que amam a natureza como ela quer ser amada, sem repúdio parcial nem exclusões injustas, não acham nela nada inferior. Amo o rato, não desamo o gato. Já pensei em os fazer viver juntos, mas vi que são incompatíveis. Em verdade, um rói-me os livros, outro o queijo; mas não é muito que eu lhes perdoe, se já perdoei a um cachorro que me levou o descanso em piores circunstâncias. Contarei o caso depressa.
Foi quando nasceu Ezequiel; a mãe estava com febre, Sancha vivia ao pé dela, e três cães na rua latiam toda a noite. Procurei o fiscal, e foi como se procurasse o leitor, que só agora sabe disto. Então resolvi matá-los; comprei veneno, mandei fazer três bolas de carne, e eu mesmo inseri nelas a droga. De noite, saí; era uma hora; nem a doente, nem a enfermeira podiam dormir, com a bulha dos cães. Quando eles me viram, afastaram-se, dois desceram para o lado da praia do Flamengo, um ficou a curta distância, como que esperando. Fui-me a ele, assobiando e dando estalinhos com os dedos. O diabo ainda latiu, mas fiado nos sinais de amizade, foi-se calando, até que se calou de todo. Como eu continuasse, ele veio a mim, devagar, mexendo a cauda, que é o seu modo de rir deles; eu tinha já na mão as bolas envenenadas, e ia deitar-lhe uma delas, quando aquele riso especial, carinho, confiança ou o que quer que seja, me atou a vontade; fiquei assim não sei como, tocado de pena e guardei as bolas no bolso. Ao leitor pode parecer que foi o cheiro da carne que remeteu o cão ao silêncio. Não digo que não; eu cuido que ele não me quis atribuir perfídia ao gesto, e entregou-se-me. A conclusão é que se livrou.
MACHADO DE ASSIS. Dom Casmurro. 2. ed. Brasília: Edições Câmara, 2019.
[…]
Grito puro e sem pedir esmola. Sei que há moças que vendem o corpo, única posse real, em troca de um bom jantar em vez de um sanduíche de mortadela. Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém. Aliás — descubro eu agora — eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria. Um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas.
Como a nordestina, há milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa. Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiram como não existiriam. Poucas se queixam e ao que eu saiba nenhuma reclama por não saber a quem. Esse quem será que existe?
Estou esquentando o corpo para iniciar, esfregando as mãos uma na outra para ter coragem. Agora me lembrei de que houve um tempo em que para me esquentar o espírito eu rezava: o movimento é espírito. A reza era um meio de mudamente e escondido de todos atingir-me a mim mesmo. Quando rezava conseguia um oco de alma — e esse oco é o tudo que posso eu jamais ter. Mais do que isso, nada. Mas o vazio tem o valor e a semelhança do pleno. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é resposta a meu — meu mistério.
[…]
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
O que é foco narrativo?
O foco narrativo é o ponto de vista do narrador. Portanto, o narrador pode contar a história a partir da perspectiva de um personagem, da perspectiva de um observador ou mesmo de uma perspectiva de onisciência. Assim, existe o foco narrativo de primeira pessoa, referente ao narrador-personagem, e o foco narrativo de terceira pessoa, referente aos narradores observador e onisciente.
Leia também: Eu lírico — a voz que enuncia o poema
Exercícios sobre narrador-personagem
Questão 1 (Enem)
A partida
Acordei pela madrugada. A princípio com tranquilidade, e logo com obstinação, quis novamente dormir. Inútil, o sono esgotara-se. Com precaução, acendi um fósforo: passava das três. Restava-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cinco. Veio-me então o desejo de não passar mais nem uma hora naquela casa. Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e de amor.
Com receio de fazer barulho, dirigi-me à cozinha, lavei o rosto, os dentes, penteei-me e, voltando ao meu quarto, vesti-me. Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama. Minha avó continuava dormindo. Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras… Que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus?
LINS, O. A partida. Melhores contos. Seleção e prefácio de Sandra Nitrini. São Paulo: Global, 2003.
No texto, o personagem narrador, na iminência da partida, descreve a sua hesitação em separar-se da avó. Esse sentimento contraditório fica claramente expresso no trecho:
A) “A princípio com tranquilidade, e logo com obstinação, quis novamente dormir”.
B) “Restava-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cinco”.
C) “Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama”.
D) “Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e amor”.
E) “Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras…”.
Resolução:
Alternativa E.
No trecho “Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras…”, o narrador-personagem mostra sua hesitação ao se questionar se deveria fugir ou falar com a avó.
Questão 2 (Enem)
Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: — Zé-Zim, por que é que você não cria galinhas-d’angola, como todo o mundo faz? — Quero criar nada não… — me deu resposta: — Eu gosto muito de mudar… […] Belo um dia, ele tora. Ninguém discrepa. Eu, tantas, mesmo digo. Eu dou proteção. […] Essa não faltou também à minha mãe, quando eu era menino, no sertãozinho de minha terra. […] Gente melhor do lugar eram todos dessa família Guedes, Jidião Guedes; quando saíram de lá, nos trouxeram junto, minha mãe e eu. Ficamos existindo em território baixio da Sirga, da outra banda, ali onde o de-Janeiro vai no São Francisco, o senhor sabe.
ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio (fragmento).
Na passagem citada, Riobaldo expõe uma situação decorrente de uma desigualdade social típica das áreas rurais brasileiras marcadas pela concentração de terras e pela relação de dependência entre agregados e fazendeiros. No texto, destaca-se essa relação porque o personagem-narrador
A) relata a seu interlocutor a história de Zé-Zim, demonstrando sua pouca disposição em ajudar seus agregados, uma vez que superou essa condição graças à sua força de trabalho.
B) descreve o processo de transformação de um meeiro — espécie de agregado — em proprietário de terra.
C) denuncia a falta de compromisso e a desocupação dos moradores, que pouco se envolvem no trabalho da terra.
D) mostra como a condição material da vida do sertanejo é dificultada pela sua dupla condição de homem livre e, ao mesmo tempo, dependente.
E) mantém o distanciamento narrativo condizente com sua posição social, de proprietário de terras.
Resolução:
Alternativa D.
No fragmento de narrativa, o narrador-personagem mostra que Zé-Zim é livre, mas, ao mesmo tempo, depende de terras alheias para sobreviver. Assim como a mãe do narrador, que dependia da família Guedes para ter onde morar. Dessa forma, o sertanejo é livre; mas, ao mesmo tempo, é dependente. Para melhorar um pouco sua condição material, ele precisa aceitar a dependência e sacrificar a liberdade advinda da pobreza e do consequente desapego.
Fontes
ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2021.
COSTA, Daryjane Pereira; SILVA, Meire Celedônio da; SILVA, Miriam Gurgel da. Interseção em Mrs. Mallard de Kate Chopin e Macabéa de Clarice Lispector: da constituição ao entrelaço das personagens na narrativa. Disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/7168.
GOULART, Audemaro Taranto; SILVA, Oscar Vieira da. Introdução ao estudo da literatura. Belo Horizonte: Lê, 1994.
PINHEIRO, Mírian Moema Filgueira. A TV como objeto de leitura da imagem no contexto escolar: uma pesquisa-ação com alunos do ensino médio. 2012. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012.
PINNA, Daniel Moreira de Sousa. Animadas personagens brasileiras: a linguagem visual das personagens do cinema de animação contemporâneo brasileiro. 2006. Dissertação (Mestrado em Design) – Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.