A estratégia de solidariedade Sul-Sul dos Brics para enfrentar os ventos desfavoráveis do Norte, tema da coluna passada, acabou sendo um dos detonadores da crise política entre Brasil e EUA. O que começou com a carta do presidente Donald Trump anunciando a taxa de 50% sobre produtos brasileiros, se acirrou, inclusive com a investigação aberta pelo governo norte-americano contra nossas práticas comerciais e até o Pix.
Não é possível saber em que estágio desse contencioso desproporcional estaremos quando esta coluna for publicada. Mas é possível afirmar que o caso dos EUA contra o Brasil é o que torna mais claro e patente o tamanho do risco em que a democracia americana se encontra. Democracia esta que precisa ser repactuada, para o bem da sobrevivência da nossa espécie neste planeta.
A intromissão nas instituições democráticas, na política e no mercado brasileiro foi explícita. É sempre bom lembrar que se trata de um presidente eleito e apoiado pela maioria do Congresso e da Suprema Corte dos EUA. Porém, quando instituições republicanas não atuam com base no interesse público, podem tornar-se disfuncionais – e nos pregar peças, ao manterem um verniz democrático enquanto atacam seus próprios valores fundamentais. Já vimos esse filme por aqui antes.
A reação firme do Brasil, em defesa de sua soberania e dos princípios democráticos, como a separação dos poderes, teve a rara unanimidade dos três Poderes.
No entanto, se externamente apresentamos uma frente comprometida com os interesses nacionais, internamente a história é diferente. Em detrimento do bem-estar dos cidadãos brasileiros, o Congresso se alinhou aos interesses de poucos com muitos recursos –com a adesão de parte do Executivo– ao retroceder décadas de proteção ambiental.
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A aprovação do projeto de lei que flexibiliza a atual legislação ambiental e descaracteriza o licenciamento enfraquece nossa credibilidade internacional, a competitividade de nossos produtos diante de mercados cada vez mais exigentes. A economia pode ser ainda mais impactada em momento no qual já estamos sendo injustamente penalizados.
O PL da Devastação chega para o presidente Lula sancionar ou vetar às vésperas da COP30, em Belém, cercado de críticas da ONU e de relevantes países parceiros na questão ambiental. Como se não bastasse o ataque externo, há o inimigo que dorme ao lado.
Espera-se que, em ambos os fronts, o governo brasileiro mantenha uma atitude coerente com o que vem defendendo na presidência da COP –o mutirão global pelo clima, com base no multilateralismo redesenhado para ser eficaz diante do gigantesco desafio da emergência climática e de múltiplas crises em um mundo geopoliticamente chacoalhado. Em um artigo publicado na semana passada nos principais veículos mundiais de imprensa, Lula defendeu que, apesar do cenário global de conflitos e injustiças que minaram a credibilidade das instituições internacionais, “não é possível ‘desplanetizar’ a vida em comum”. E, portanto, não há saída a não ser reaprender a dialogar e refundar um multilateralismo mais justo e inclusivo.
Essa é a visão compartilhada pelas forças mais empenhadas hoje na defesa da democracia, do equilíbrio ecológico, do comércio justo e da inclusão social no mundo. A pressão do governo Trump contra a democracia brasileira nos traz ainda mais responsabilidade nessa luta. Se queremos revitalizar as democracias e a confiança global no multilateralismo, precisamos demonstrar coerência entre o que prometemos e o que praticamos. Veta Lula!
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