Superman é muito mais do que um ícone de cultura pop. Apesar de ser um dos pioneiros, é muito mais do que um sujeito que veste a cueca por cima da calça. Ele surgiu como uma lição de otimismo e humanidade, e esse é um de seus segredos, seus maiores poderes não são força bruta e feitos impossíveis. Superman traz dentro de si o poder de derrotar demônios: A Esperança, e essa esperança, que na última década se resumia a uma frase de efeito e um “S” estilizado agora voltou com tudo.

Kal-el, pros íntimos (Crédito: DC Studios)
Superman surgiu originalmente em 1938, com muito menos poderes -ele nem voava- e sua origem extraterrestre é mencionada em UM quadrinho no primeiro número, só voltando a ser assunto algumas dezenas de edições depois.
O básico da mitologia foi construído aos poucos. Clark trabalhava no Daily Star, a cidade só foi chamada de Metrópolis na Edição Número 15, o editor não era o Perry White e Lois Lane era uma

Superman torturando um sujeito? (Crédito: DC Comics)
O herói mesmo era muito mais violento do que qualquer encarnação posterior exceto o Superman de Injustice. Ele rotineiramente ameaçava matar e torturar bandidos e até políticos como o prefeito.
Os inimigos costumavam ser políticos corruptos, gangsters e até motoristas bêbados. Em uma história Superman resolve combater o problema de acidentes causados por embriaguez ao volante, ele começa prendendo motoristas, depois invade o depósito da prefeitura e DESTRÓI os carros apreendidos de motoristas bêbados, e acaba seqüestrando o dono de uma montadora que constrói carros inseguros.
Aos poucos Superman foi ficando mais popular, em 1940 estréia o seriado de rádio, um sucesso tão grande que em 1948 ajudou a destruir a Ku Klux Klan, ao criar um arco ficcional usando como base o trabalho do jornalista Stetson Kennedy, que se infiltrou no grupo.

O American Way que o Superman promovia. (Crédito: DC Comics)
Em 1942 foi lançado o primeiro seriado de cinema, Superman era interpretado por Kirk Alyn, mas ele não era creditado, para que as crianças achassem que Superman fazia o próprio papel, e era real.
Com o tempo Superman foi ganhando mais e mais poderes, com coisas ridículas como beijo hipnótico, super-tecelagem, mini-supermen saindo dos dedos dele e super-veterinária, quando ele castra um pobre cachorro com a visão de calor. E nem é o poder mais ridículo…
Superman foi se enchendo de poderes a ponto de se tornar invencível, e não há nada mais chato que um personagem onipotente. Superman ficou chato, e bobo, só vindo a ser revitalizado em 1986 com o arco The Man of Steel, de John Byrne, uma história seminal que até hoje é base para tudo que se faz sobre o Superman.
Em 1992, tentando revitalizar mais uma vez o personagem, a DC matou o Superman, em um evento mundial, que seguindo a regra de que só o Tio Ben permanece morto nos quadrinhos, alguns meses depois trouxe o kryptoniano de volta.
A Fase Dark
Alguns culpam Frank Miller e o Cavaleiro das Trevas pela fase dark do Superman, mas o Clark da mini-série não é dark ou depressivo. Mesmo na linha temporal principal, o personagem continuou otimista. Algumas histórias alternativas trouxeram versões mais complicadas, como o Super amargurado e introvertido do Reino do Amanhã, ou o Superman totalmente virado no Jiraya do Injustice: Gods Among Us, mas no geral o personagem seguiu com a linha do otimista, garoto do Kansas, com uma bússola moral inquestionável.

Amigos na Marra, The Superman Way (Crédito: DC Comics)
A impressão de que houve uma fase dark é um mini-efeito Mandela, criado depois que a DC como um todo se tornou mais dark e “realista”, com eventos como os Novos 52. Superman só foi ficar dark muito recentemente, nos últimos dois anos.
Os filmes de Zack Snyder seguiram essa linha, e agora a declaração polêmica:
O Superman de Zack Snyder não é ruim
Pronto, falei.
Não existe “o” Superman. Não é um texto sagrado escrito em pedra. Sempre houve variações, retcons e adaptações, a própria mitologia moderna do personagem demorou para se estabelecer. Há várias histórias excelentes que fogem do tradicional. Em Smallville, as Aventuras de Superboy, Jor-El é malvado e quer que Clark domine a terra.
O próprio Superboy é um retcon, até sua criação, em 1945, Superman só viraria herói depois de adulto.
Man of Steel, Batman vs Superman, Liga da Justiça são releituras mais sérias dos personagens. Sérias até demais, diriam alguns, o Superman soturno, meio Homelander, acima de todos e indiferente ao sofrimento do cidadão comum poderia ser uma trope interessante em tempos mais otimistas, mas ele chegou em uma época bem ruim na História recente, e escapismo não funciona se nos relembrar de nosso dia-a-dia sofrido.
Mesmo assim, dentro do proposto os filmes funcionam, não são como aquela abominação do Flash.
O Superman que a gente precisa
James Gunn pode ser muita coisa, mas ele não é um cínico. Ele não tem uma visão pessimista, ele, assim como Superman, enxerga o melhor nas pessoas, e consegue fazer isso mesmo com sociopatas como o Peacemaker. Quando assumiu o controle da produção cinematográfica da DC, após ser cancelado pela Marvel, ele se propôs a levar essa missão para o cinema.
Seu primeiro filme da DC, Esquadrão Suicida, foi um teste, ele pegou um filme ruim, com aquele inexplicável Coringa do Jared leto, e criou uma história divertida, absurda, quadrinhesca e deliciosamente violenta, como um bom gibi que escandaliza avós. Mas sem maldade, sem rancor.
Superman, finalmente
Há gente reclamando que James Gunn começa a história do meio, mas convenhamos, você quer ver de novo a historinha da origem do Superman? O filme começa situando o público; metahumanos apareceram 300 anos atrás, Kal-El veio para a Terra 30 anos atrás, e Superman apareceu em público pela primeira vez 3 anos atrás. E 3 minutos atrás Superman perdeu a primeira luta.

Esse é o Sup que amamos. (Crédito: DC Studios)
Sim, assim como nos quadrinhos modernos, Superman apanha bastante, ele não é um entediante deus onipotente invulnerável que não tem medo de nada. Ele é o sujeito estropiado que quer voltar pra briga, porque sabe que tem gente que precisa dele.
Luthor, finalmente
Lex Luthor é o vilão do filme. Ele tem motivações bem simples: Primeiro, inveja. Ele deixou de ser o centro das atenções, e embora controle empresas bilionárias, as manchetes só falam dos feitos do Superman, muito mais eficiente do que Luthor ao lidar com super-ameaças.

Cadê o Totó? (Crédito: DC Studios)
Em segundo lugar, Luthor não acredita que um ser superpoderoso como Superman seja bonzinho, abnegado e moralmente inabalável como o Sup se vende. Luthor desconfia que Clark tenha motivos ocultos, e sendo honesto esse cinismo todo não é de todo errado. Não é da natureza humana essa bondade toda.
A Gangue da Justiça
Superman não está sozinho, ele de vez em quando enfrenta ameaças junto com um grupo de super-heróis bancados por Maxwel Lord, a Gangue da Justiça (nome provisório), composta de do Sr Incrível, Guy Gardner e a Mulher-Gavião, Kendra Saunders, interpretada pela tchutchuquinha Isabela Merced.
Kendra é a terceira mulher-gavião dos quadrinhos, ela era uma jovem que cometeu suicídio, seu corpo foi possuído pela alma reencarnada de Shiera Hall, a mulher-gavião original. Shiera não tem memória de sua vida passada, e assumiu a personalidade de Kendra e-quadrinhos são complicados.
Guy Gardner, bem… ele é um babaquara. Um Zé-Mané. Um sujeitinho desagradável que ninguém suporta, mas seu coração está no lugar certo. É o último Lanterna Verde que todo mundo imaginava que apareceria em um filme, e Nathan Fillion está absolutamente perfeito, você vai amar odiar Guy.

A Gangue da Justiça. Tirando o Guy o resto é gente boa. (Crédito: DC Studios)
O Sr Incrível é a terceira pessoa mais inteligente do Universo DC, um milionário com diversos equipamentos científicos de combate ao crime, e talvez o melhor personagem do filme. Ele é um atleta de nível olímpico, então desce a porrada nos capangas de Luthor com fineza e elegância.
O maior mérito, entretanto, foi ser uma redenção para Edi Gathegi, o ator sumariamente sacaneado no X-Men First Class, ao ganhar o papel de Darwin, um dos mutantes mais poderosos do Universo Marvel, apenas para morrer minutos depois de forma patética.
A Maravilhosa Mrs Maisel é a maravilhosa Lois Lane nesse filme. Rachel Brosnahan tem muita química com o David Corenswet, mas não são casal apaixonadinho, estão em começo de relacionamento, há muito que ela não sabe sobre Clark ou Kal-El, o que resulta em uma das melhores cenas do filme.
Ironicamente, o momento mais “adulto”, quando Lois entrevista Clark a sério, e ele fica irritado quando ela questiona quem o autorizou a invadir um país estrangeiro. “pessoas estavam morrendo”, ele insiste, mas essa lógica é simples somente no mundo dos quadrinhos, e ao menos naquele momento ele sentiu o peso da realidade.
A Trama
Superman é um herói popular, Lex Luthor é um gênio bilionário que não acredita na bondade de Kal-El, e convence o Governo dos EUA a capturar o kryptoniano para interrogatório (e posterior execução). Luthor cria um monte de circunstâncias para minar a popularidade do herói e tornar mais palatável seu desaparecimento. Só isso. É um gibi, não é Guerra e Paz.
Krypto
Ele não é nem um bom cachorro, mas nossa, como James Gunn é bom em fazer a gente se importar com bichos que nem existem. E sim, o cachorro chega vivo ao final, não se preocupe. Esse vira-latas safado de CGI é um cachorro perfeito, com todas as manias e teimosias de um bom caramelo. Ele não é super-inteligente como nos quadrinhos, mas funciona muito bem, mesmo quando está sendo irritante. Muito bom saber que ele voltará no filme da Supergirl.
Ultraman
É o principal capanga do Luthor, não dá para falar muito sem revelar mais do que devo, mas a escolha do uniforme foi excelente. Manteve a surpresa para quem não conhecia o personagem dos quadrinhos, e manteve a dúvida, para quem conhecia. Só posso dizer que ele é poderoso e implacável, e bate sem dó.
O Clima
Superman 2025 é um filme alegre, colorido, otimista. Clark é um escoteiro azulão que vê bondade em todo mundo, refletindo a criação que recebeu de seus pais caipiras (e adoráveis). Mesmo assim o filme tem momentos bem dark, mais sinistros do que qualquer coisa que Zack Snyder tenha feito, e você vai odiar Lex Luthor por isso. Ele não é um bufão vilão de Superamigos. É um sociopata com total desprezo pela vida em geral.
Conclusão
Superman é um ótimo filme do Superman clássico, o Superman do Christopher Reeve, que salva gatos em árvores e tem sempre um sorriso no rosto. É um Superman cheio de otimismo e esperança, o herói que precisamos em tempos cheios de cinismo. Superman pode ter os poderes de um deus, mas ele ressoa mais quando tem o coração de um Homem.
Trailer:
Cotação:
4.7/5 Alan Tudyks