Muitas pessoas durante o período da educação básica – ou até mesmo depois – já se questionaram sobre em qual momento da vida usariam determinado conteúdo aprendido na aula de matemática. A Fórmula de Bhaskara é um exemplo: ela ajuda a entender situações que envolvem parábolas, como a trajetória de uma bola ou a freada de um carro. Mas, a não ser que você seja engenheiro, arquiteto ou físico, dificilmente vai aplicá-la diretamente no dia a dia.
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No painel “Os impactos no Brasil do baixo desempenho em matemática”, realizado nesta segunda-feira (25) no 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca, a repórter do Estadão Renata Cafardo questionou os palestrantes sobre a presença de conteúdos de pouca aplicação no currículo e a possibilidade de torná-lo mais enxuto.
Kátia Smole, diretora-executiva do Instituto Reúna, explicou que a matemática deve ser entendida como algo que vai além de uma aplicação imediata. “Hoje já se sabe que se você só fosse estudar [somente] as coisas que vai aplicar imediatamente na vida, bastaria ir até o sexto ano da escola, o que corresponde mais ou menos à matemática egípcia voltada pro cotidiano”, disse. Diferente da matemática grega, de caráter mais teórico, a matemática egípcia tinha uso essencialmente prático, aplicado à agricultura, à engenharia e à administração.
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Professora de matemática de formação, Kátia acredita que um currículo não pode ser descartado apenas pela ausência de aplicação imediata. “Tem cientificidade para fazer currículo, não se joga fora só porque eu não sei onde aplicar”, afirmou. Ela ressaltou ainda que o pensamento matemático é essencial para a tomada de decisões e desempenha papel estratégico no avanço social.
Uma recente pesquisa feita pelo Itaú Social mostrou que profissões ligadas à matemática podem oferecer salários 119% maiores do que a média de outros trabalhadores. Segundo o estudo, o rendimento médio de ocupações nessa área foi mais do que o dobro de outras categorias no terceiro trimestre de 2023.
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A especialista vê na baixa proficiência nessa área um fator de exclusão. “Nós estamos tornando a matemática o fator de exclusão. O problema é que só 5% dos estudantes nesse país terminam a terceira série do ensino médio sabendo matemática. Se isso não é exclusão, eu não sei o que é.”
Os baixos índices de proficiência em matemática fazem com que esse componente siga sob escrutínio, seja pelo modelo implementado, pela formação docente ou por questões estruturais, como ponderou o professor Alexsandro Santos em recente entrevista ao Porvir.
Dados do último Timms (Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências) revelaram que mais da metade dos estudantes brasileiros do ensino fundamental não domina conhecimentos básicos em matemática. O levantamento, feito com alunos do 4º e 8º ano do ensino fundamental, é aplicado a cada quatro anos em 72 países.
Por uma matemática diferente
Mesmo quem transformou a disciplina em carreira reconhece as dúvidas que surgem ao longo da trajetória escolar. Ingrid Silva Carvalho, multimedalhista em Olimpíadas de Matemática de Vitória da Conquista (BA) e graduanda em Matemática e Tecnologia no IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), contou durante o painel que, em seu tempo de educação básica, ela e os colegas também questionavam a utilidade de certos conteúdos.
Ainda assim, avalia que é fundamental aprender “até mesmo a fórmula de Bhaskara”, pois isso contribui para desenvolver o raciocínio lógico e compreender o que está por trás da matemática.
“É importante ensinar matemática nas escolas, mas de forma que não fique tão abstrata. Mostrar as aplicações e por que aquilo é tão relevante”, afirmou. Filha de uma professora de matemática, Ingrid destaca que o contato próximo com a disciplina foi determinante para suas escolhas acadêmicas e profissionais. Após a graduação, pretende seguir estudando na área e tornar-se professora universitária.
Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), também conversou recentemente com o Porvir e afirmou ser perigoso, de maneira geral, pensar no que é “inútil” no caso da matemática. “A escola não deve focar em informar apenas aquilo que eu vou usar no meu dia a dia. A escola forma cidadãos e, para isso, é importante cobrir muitos aspectos, não ser exclusivamente utilitária”, disse.
Para ele, alguns conteúdos são demasiadamente enfatizados no currículo, com excesso de detalhamento, o que acaba sendo pouco relevante para a formação cidadã.
“Acho muito importante separar o que é útil para a formação geral. Alguma vez eu vou usar conhecimento de história do Império Romano? É útil saber sobre o Império Romano? É! Porque um cidadão dos nossos dias deve conhecer a história para não repeti-la, ou para repetir só as partes boas”, argumentou. “É nesse sentido: vejo a utilidade para a formação da pessoa e depois o aspecto mais prático. Se vou usar essa informação na minha vida, é uma outra conversa”, explicou.
